O COLARINHO CLERICAL

SOBRE O COLARINHO CLERICAL
Martinho Lutero Semblano


SOBRE O COLARINHO CLERICAL
Jesus não usava colarinho clerical. Ele também não usava gravata. Tampouco usava calça jeans. A única coisa que sabemos sobre as vestes de Jesus é que elas eram de um bom padrão, tanto que isso motivou os soldados romanos a disputarem-na quando – após jocosamente receber sobre si, diante de Pilatos, um manto púrpura – o Salvador foi despido de sua túnica para ser crucificado:
“Tendo, pois, os soldados crucificado a Jesus, tomaram as suas vestes, e fizeram quatro partes, para cada soldado uma parte; e também a túnica. A túnica, porém, tecida toda de alto a baixo, não tinha costura” (Jo 19.23).
Com o decorrer do tempo, entretanto, os líderes cristãos começaram a usar roupas especiais para o culto, provavelmente para representar sua função ministerial entre o povo, que melhor o identificaria dentre os demais cidadãos. Vale lembrar que, ainda que no Antigo Testamento os sacerdotes fossem obrigados a seguir um padrão rígido de vestimenta, a Nova Aliança em nenhum momento estabelece padrões ou proibições a este respeito, desde que, obviamente, seja evitada a sensualidade na vida do cristão (e não apenas das lideranças). Assim, da mesma forma como os trajes variavam conforme as regiões onde o evangelho chegava e mesmo conforme as épocas (ainda me envergonho ao ver-me em uma foto de minha adolescência com uma calça branca e tênis quadriculado!), cada contexto social e geográfico iam definindo padrões adequados de trajes entre aqueles que possuam algum tipo de autoridade nas sociedades, fossem civis, militares e religiosas.
Até os dias atuais assim tem acontecido, e cada sociedade – e no microcosmo da mesma, cada comunidade cristã – tem escolhido os trajes que veem como mais adequados para os representarem, e aos seus líderes. Entre tais vestes uma é o denominado “colarinho clerical”, uma aba branca destacável na frente da cola de uma camisa (originalmente de algodão ou linho mas atualmente de plástico). Mas, muitos se perguntam no Brasil (e demais países da América Latina): não se trata de uma roupa católico-romana?

FALTA DE INFORMAÇÃO NO MEIO EVANGÉLICO
Muitos cristãos, por falta de conhecimento, têm preconceito contra o uso de tal vestimenta, associando-a principalmente ao catolicismo romano ou mesmo, indo além, à outras religiões pagãs, no fito de defenderem o uso do terno e gravata. Trata-se, entretanto, de uma ideia equivocada, motivo pelo qual expomos este artigo, considerando alguns tópicos elucidativos.
1º. Quanto à GRAVATA, tão proclamada como aceitável por grande parte dos cristãos, se formos considerar suas origens, as mesmas não são tão “santas”. Os primeiros modelos de gravata podem ser observados no amuleto “Sangue de Ísis” encontrado em algumas múmias egípcias como o objetivo em proteger o finado dos perigos da eternidade. Posteriormente, seu uso foi adotado pelos guerreiros de maior patente do exército do imperador chinês Shih Huang Ti’s, que usavam cachecol com um nó em volta do pescoço, como forma de status militar. Entretanto, sua a popularização só ocorreu a partir do uso de tal tecido em volta do pescoço por soldados mercenários croatas (daí o termo “gravata”), quando lutaram ao lado dos franceses na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), chegando tais grupamentos a Paris em 1635, traje imediatamente adotado pela sociedade francesa do século XVII. Em outras palavras: os líderes cristãos dos séculos anteriores não usavam gravatas, adotando outros trajes.
2º. Por isso, a simples lógica e o mais ínfimo conhecimento histórico apontam para o óbvio: antes da popularização da gravata (a partir do século XVII), os bispos e os pastores evangélicos não tinham uma vestimenta padronizada. Os reformadores Martinho Lutero, Calvino e Zwínglio, por exemplo, usavam batas parecidas com as dos juízes enquanto outros reformadores continuavam usando os trajes que utilizavam nas missas romanistas antes da conversão, enquanto outros preferiam usar roupas comuns (como Andreas Karlstadt preferia usar roupas de camponês, a partir de 1522). Obviamente, nenhum deles usava gravata. Mesmo os grandes avivalistas dos séculos XVIII e XIX, como John Wesley, Jonathan Edwards e Charles Finney usavam trajes diferentes ao terno e gravata. Mesmo o “pai do pentecostalismo do século XX”, Rev. William J. Seymour, diferentemente da maioria dos pentecostais de atualmente, usava gravata borboleta (e barba!).
Rev. Martinho Lutero
Rev. João Calvino
Rev. Ulrich Zwínglio
Rev. Andreas Karlstadt
Rev. John Wesley
Rev. Charles Finney
Rev. Jonathan Edwards
Rev. William J. Seymour
3º. Já o COLARINHO CLERICAL foi criado em 1827 por um pastor escocês, o Rev. Donald McLeod1, moderador da Assembleia Geral das Igrejas de Kirk (em 1895), cuja palestra foi denominada “Doutrina e Validade do Ministério e dos Sacramentos da Igreja Nacional da Escócia” (ou seja, Igreja Presbiteriana). Por isso, assim como o termo “gravata” surgiu da associação dos franceses aos militares mercenários croatas, o termo “clerical” surgiu adicionado ao colarinho por ter sido criação de um pastor protestante.
4º. Ainda que usando vários tipos de vestimentas (paramentos), os católicos romanos somente
oficializaram o uso da camisa com colarinho clerical mais de um século depois de seu uso entre os evangélicos, precisamente a partir do Concilio Vaticano II (1962), como alternativa à batina (algumas das quais também usam colarinho) e ao hábito, por ser de uso mais prático que aquela veste2.
1 Como se pode observar nos arquivos digitais do Herald Glasgow (vide em http://gdl.cdlr.strath.ac.uk/eyrwho/eyrwho1230.htm) .
2 “Os clérigos usem hábito eclesiástico conveniente, de acordo com as normas dadas pelas conferências dos Bispos e com os legítimos costumes locais” (Código de Direito Canônico, 284). Cân. 669 - § 2º. “Os religiosos clérigos de instituto que não tem hábito próprio usem a veste clerical de acordo com o cânone 284”.
5º. Hoje o colarinho clerical é utilizado por pastores nas diversas denominações cristãs, como a presbiteriana, a luterana, a metodista, a anglicana e a Igreja de Nova Vida (fundada por um canadense, neto de escoceses, Robert McAlister), dentre várias outras, ainda que de maneira mais frequentemente entre os pastores e bispos dos Estados Unidos, da Europa, da África e da Oceania do que na América Latina, continente que adotou como roupa padrão de seus líderes cristãos uma veste mais moderna mais usada pelos missionários de origem americana (mormente batistas, que costumam usar gravata) e sueca (cujos missionários que
viriam fundar as Assembleias de Deus no Brasil também tinham origem batista).
6º. Faz-se, então, a pergunta: qual a roupa ideal a um ministro evangélico: terno ou colarinho clerical? A resposta é simples: “Tanto faz”, uma vez que nem o terno e gravata, nem o colarinho clerical nem roupa alguma são espirituais e a ninguém santificam, ainda que ambas possuam um “símbolo” aos que as vestem, sendo o terno e gravata um símbolo mais associado ao status da vida civil e o colarinho mais associado à dedicação na vida religiosa.
O SÍMBOLO DO COLARINHO CLERICAL
Os símbolos do colarinho clerical são variados. O primeiro é que representa aos que o usam que são servos de Cristo, uma vez que os escravos no mundo antigo tinham ao redor de seus pescoços “colarinhos” de ferro. Assim, o colarinho clerical simboliza o compromisso pastoral com o Senhor (Jesus), para quem vive para servir. Já a cor do colarinho (branco) simboliza a pureza da palavra de Deus proclamada através da garganta de seus mensageiros.
A relevância dos símbolos nas vestimentas não pode ser descartadas, pois fazem com que todos associem aqueles que se vestem de tal forma com suas missões. Assim, identificamos os médicos pelo uniforme branco que usam nos hospitais e os militares e os policiais por suas fardas, por exemplo, por sua vestimenta característica. Assim, se por um lado alguém com terno e gravata pode ser associado a um advogado ou um empresário, por exemplo, o colarinho identifica pessoas que se dedicam às coisas espirituais e, ainda que a roupa a ninguém santifique ou edifique (assim como não capacita os médicos ou militares a exercerem suas funções), traz uma grande representatividade da missão e identificação da função da pessoa que a traja.
 
REV. MARTINHO LUTERO SEMBLANO
Disponível no site www.novavida.org.br













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